Literatura

PARNASIANISMO


Agleice Marques Gama

O Parnasianismo foi um movimento literário contemporâneo ao Realismo/Naturalismo brasileiro, mas ao contrário destes não aconteceu na prosa, foi extremamente poético. O Realismo aconteceu em Portugal e no Brasil, já o Parnasianismo foi uma manifestação típica do Brasil e da França onde teve origem, sua denominação não passava de uma alusão às antologias publicadas na França a partir de 1866 com o título “Parnasse Contemporain”. Foi a manifestação da “arte pela arte”, ou da “arte sobre a arte”, com seus poetas à margem das grandes transformações do final do século XIX e início do século XX. Cronologicamente, ela manifestou-se a partir de 1870 e prolongou-se até a Semana de Arte Moderna, em alguns casos chegou mesmo a ultrapassar o ano de 1922.

Mas o que é Parnasianismo?
Parnasianismo vem de Parnaso e Parnaso é o nome de um monte na Grécia, monte este habitado por Apolo, considerado o Deus da Arte.
Embora contemporâneo do Realismo /Naturalismo, o Parnasianismo não pode ser considerado uma versão poética das características que nós encontramos na prosa. Muito pelo contrário, ele apresenta características bem marcadas, diferentes das características Realistas/Naturalistas.

Características do Parnasianismo brasileiro:
• Esteticismo: vem da palavra estética. Os parnasianos estavam preocupados com a forma, com o belo. Eles pregavam uma Arte pela Arte, ou seja, a Arte deveria existir em função dela mesma. Não havia, como no Realismo, uma preocupação com temas sociais.
• Impassibilidade: é a negação aos exageros sentimentais do Romantismo. Para o poeta parnasiano o importante era a objetividade. Nada de sentimentalismos, meu amor ou minha amada.
• Poesia Descritiva: ao contrário dos temas sociais, os parnasianos buscavam temas mais diretos. Falavam em seus poemas de objetos e de cenas da natureza. O amor pelo objeto e um certo fetichismo era muito grande nesse período.
• Retomada dos modelos clássicos: a Antigüidade Clássica mais uma vez aparece e é retomada, pois os poetas greco-latinos eram tidos como exemplos de perfeição e de beleza, além de racionalista.
• Perfeição formal: esta é a grande marca dos parnasianos, pois eles estavam preocupados com a forma e não com o conteúdo, sua preocupação era com a aparência, com a sonoridade. Ao contrário dos românticos que pregavam os versos livres e os versos brancos, ou seja, os versos não rimados e metrificados, os parnasianos pregavam a valorização das rimas, das formas fixas, como o soneto com versos alexandrinos (12 sílabas poéticas) e decassílabos perfeitos. Tudo isso fez com que esse movimento ficasse conhecido pelo seu artificialismo. Veja um fragmento como exemplo:

“Assim procedo. Minha pena

Segue esta norma.

Por te servir, Deusa Serena,

Serena Forma.”

Olavo Bilac

Mas o que é rima?

É a semelhança de sons finais ou intermediários de um verso.



Vejamos a classificação das rimas:

Rimas pobres ocorrem quando o encontro de rimas pertence à mesma classe gramatical:

“Entre as ruínas de um convento,

De uma coluna quebrada

Sobre os destroços, ao vento

Vive uma flor isolada”

Repare que a palavra convento rima com vento, ambas são substantivos; já a palavra quebrada rima com isolada e ambas são adjetivos, ou seja, pertencem a mesma classe gramatical, por isso rima pobre.
Rimas ricas ocorrem quando as palavras pertencem a classes gramaticais diferentes:

“Sonha... Porém de súbito a violento

Abalo acorda. Em torno as folhas bolem...

É o vento! E o ninho lhe arrebata o vento”

Perceba que nesses versos nós encontramos a palavra violento rimando com a palavra vento. Violento é adjetivo e vento substantivo, temos, nesse trecho, um exemplo de uma rima rica.

Rimas raras: palavras que apresentam finais diferentes, finais raros.

“Que ouço ao longe o oráculo de Elêusis

Se um dia eu fosse teu e fosses minha,

O nosso amor conceberia um mundo

E de teu ventre nasceriam deuses”.

Nesse trecho, nós temos a palavra Elêusis rimando com a palavra deuses. Notem que a grafia é diferente, mas isso não é importante no estudo das rimas, o que é importante é a semelhança sonora.
Ao lado das rimas, os parnasianos também se preocupavam com medidas fixas, por isso elegeram como medida o soneto. Eles também trabalhavam com versos alexandrinos: versos compostos por doze sílabas poéticas.

Principais representantes do Parnasianismo no Brasil. Fazem parte da Trindade Parnasiana Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac.

Alberto de Oliveira (28/04/1857 Saquarema RJ a 19/01/1937 Niterói RJ) é considerado o representante mais fiel do Parnasianismo, por ter se mantido preso às características da perfeição formal do Parnasianismo. É um dos sócios fundadores da Academia Brasileira de Letras. Em 1924, já em pleno Modernismo e sob o impacto da Semana, é eleito Príncipe dos Poetas, no lugar deixado vago por Olavo Bilac. Alberto de Oliveira trabalhou como ninguém as descrições detalhadas, mostrava um apreço muito grande pelas descrições de objetos assim como da natureza. Logo a descrição de objetos antigos é muito comum em seus textos, como exemplo tem-se os sonetos “Vaso Chinês” e “Vaso Grego”.

Vaso Grego

Esta, de áureos relevos, trabalhada

De divas mãos, brilhante copa, um dia,

Já de aos deuses servir como cansada,

Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.


Era o poeta de Teos que a suspendia

Então e, ora repleta ora esvazada,

A taça amiga aos dedos seus tinia

Toda de roas pétalas colmada.


Depois... Mas o lavor da taça admira,

Toca-a, e, do ouvido aproximando-a, às bordas

Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,


Ignota voz, qual se da antiga lira

Fosse a encantada música das cordas,

Qual se essa a voz de Anacreonte fosse.

(Alberto de Oliveira)

Perceba que há características parnasianas evidentes no texto: a linguagem trabalhada, clássica; o vocabulário selecionado, como bem atesta o último terceto; a exaltação da forma perfeita: soneto, rima, métrica; a retomada da cultura clássica: vaso grego, Olimpo, Anacreonte.

Outro grande parnasiano foi Raimundo Correia (13/05/1959 Maranhão a 13/09/1911 Paris). Este tem uma historinha peculiar: Luís Murat questionou a obra de Raimundo Correia: Seria ele um plagiador? Ou um recriador? Algumas pessoas o consideram um plagiador por ter se aproveitado de vários textos de parnasianos franceses. Mas segundo alguns estudiosos, Raimundo Correia não fazia plágio, mas sim recriações em que acrescentava características peculiares, dava a essas recriações o seu eu, o seu posicionamento de autor.
Raimundo Correia estreou como romântico: o livro Primeiros sonhos revela influência de quase todos os românticos brasileiros, de Gonçalves Dias a Castro Alves. Só assumiu o Parnasianismo a partir do livro Sinfonias, formando desde então a Trindade Parnasiana, ao lado de Olavo Bilac e Alberto de Oliveira. Sua temática é a moda da época, cantando a natureza, a perfeição formal dos objetos, a cultura clássica; merece destaque apenas sua poesia filosófica, de meditação, marcada pela desilusão e por um forte pessimismo.
Raimundo Correia destaca-se pela grande preocupação formal, mas ele também apresenta temas diferentes. Ao contrário dos outros parnasianos ele começa a tratar de questões ligadas aos aspectos sociais, também nos apresenta uma visão mais carnalizada do amor, diferentemente da postura romântica, exemplo:

Plena Nudez

Eu amo os gregos tipos de escultura;

Pagãs nuas no mármore entalhadas;

Não essas produções que a estufa escura

Das modas cria, tortas e enfezadas.


Quero em pleno esplendor, viço e frescura

Os corpos nus; as linhas onduladas

Livres; da carne exuberante e pura

Todas as saliências destacadas...


Não quero, a Vênus opulenta e bela

De luxuriantes formas, entrevê-la

Da transparente túnica através:


Quero vê-la, sem pejo, sem receios,

Os braços nus, o dorso nu, os seios

Nus... toda nua, da cabeça aos pés!

Raimundo Correia


Mas é Olavo Bilac (16/12/1865 RJ a 18/12/1918 RJ) é alexandrino a partir do nome (O/la/vo/ Brás/ Mar/tins/ dos/ Gui/ma/rães/Bi/lac) o grande e mais significativo poeta do Parnasianismo. Ele participou, juntamente com Machado de Assis, da fundação da Academia Brasileira de Letras e é considerado o primeiro príncipe dos poetas brasileiros (1907). Autor da letra do Hino à Bandeira (1889), fez campanhas a favor da alfabetização e do serviço militar obrigatório Desde o início de sua produção literária, Olavo Bilac se manteve preso aos preceitos do Parnasianismo, ele apresentava uma grande preocupação com o aspecto formal de seus textos.
Olavo Bilac é o único dos grandes parnasianos que já iniciou comungado com a estética do movimento: desde o princípio buscou a perfeição formal. Tinha a preocupação de escrever versos alexandrinos e concluir com “chave de ouro”, mesmo que para isso assumisse uma postura forçada. Segundo Bilac, o poeta deve trabalhar a poesia pacientemente – “como um beneditino” – do mesmo modo que um ouvires trabalha uma jóia, buscando o relevo, a perfeição formal, servindo à Deusa Forma.
Ao lado disso, vale-se de uma linguagem elaborada, com constantes inversões da estrutura gramatical, buscando um efeito melhor; o amor pela língua seria coroada com o famoso soneto “Língua portuguesa”:

“Última for Lácio, inculta e bela,

És, a um tempo, esplendor e sepultura.

Ouro nativo, que na gana impura

A bruta mina entre os cascalhos vela...”

A sua militância política em favor da causa republicana e o “exílio” em Minas Gerais não chegam a contaminar a sua poesia parnasiana; Bilac não foge à regra do Parnasianismo, colocando-se à margem dos grandes acontecimentos políticos e sociais de seu tempo (por exemplo, ignorou a campanha abolicionista e é acusado de se tornar republicano somente após a Proclamação da República; mais tarde ignorou a primeira Guerra). No entanto, fora da poesia parnasiana podemos perceber manifestações de uma outra faceta de Bilac: as poesia em que ironiza o então ditador Floriano Peixoto são excelentes (Floriano é satirizado como “Hamleto, o príncipe das Alagoas”); as crônicas publicadas em jornais cariocas revelam o lado galhofeiro e insolente de Bilac (segundo o professor Antônio Dimas, as crônicas são “ideologicamente irregulares e ora apontam para soluções reacionárias, identificadas com o sistema vigente, ora para sua contestação”).
Suas obras parnasianas podem ser assim caracterizadas:
• Em Panóplias, o poeta se encontra voltado para a Antiguidade Clássica, basicamente para Roma. Pertencem a essa fase, entre outros, os sonetos “A sesta de Nero”, “O incêndio de Roma” e “Lendo a Ilíada”.
• Em Via Láctea, temos 35 sonetos marcados por forte lirismo. O lirismo e a temática desses sonetos são responsáveis pela popularidade imediata alcançada pelo poeta. Dentre eles, merece destaque o soneto XIII: “Ora “direis” ouvir estrelas...”
• Em Sarças de fogo, permanece o lirismo, a que se acrescenta agora o sensualismo. É famoso o soneto “Nell mozzo del camin...”, com seus pleonasmos e inversões.
• Em Alma inquieta e Viagens, o poeta volta-se para os temas ditos filosóficos, tão ao gosto dos parnasianos.
• Em Viagens, encontramos o poeta épico “O caçador de esmeraldas”, que o próprio Bilac definiu como “episódio da epopéia sertanista no século XVII”, narração da chegada dos bandeirantes à terras mineiras, com os paulistas individualizados na figura de Fernão Dias Pais.
• Tarde mostra o poeta mais descritivo e profundamente nacionalista. É exemplo significativo do descritivismo do poeta o soneto “Crepúsculo na mata”, e bem atestam a volta ao passado nacional os sonetos “Anchieta” e “Vila Rica”. No entanto, o que mais chama a atenção do leitor em tarde é a consciência do fim, a proximidade da morte: o crepúsculo do poeta.

Olavo Bilac tem como poema mais famoso “Profissão de fé”, o qual traz uma síntese das características e do modo de compor parnasiano. Veja:

Profissão de fé

(fragmentos)

(...)

Invejo o ouvires quando escrevo:

Imito o amor

Com que ele, em ouro, o alto-relevo

Faz de uma flor.

Imito-o. E, pois, nem de Carraca

A pedra firo:

O alvo cristal, a pedra rara,

O ônix prefiro.

Por isso, ocorre, por servir-me,

Sobre o papel

A pena, como em prata firme

Corre o cinzel

Corre; desenha, enfeita a imagem,

A idéia veste:

Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem

Azul-celeste.

Torce, aprimora, alteia, lima

A frase; e, enfim,

No verso de ouro engasta a rima,

Como um rubim.

Quero que a estrofe Cristalina,

Dobrada ao jeito

Do ouvires, saia da oficina

Sem um defeito.

(...)

Assim procedo. Minha pena

Segue esta norma,

Por te servir, Deusa serena.

Serena forma!

(...)

Celebrarei o teu ofício

No altar: porém,

Se ainda é pequeno o sacrifício,

Morra eu também!

Caia eu também, sem esperança,

Porém tranqüilo,

Inda, ao cair, vibrando a lança,

Em prol do Estilo

(Olavo Bilac)



Neste fragmento, Olavo Bilac compara o trabalho do poeta ao trabalho do ourives. O poeta seria o artesão, mas não o artesão da do material concreto, do ouro, ele seria o artesão da palavra.
Ele foi talvez um dos poetas mais criticados pelos escritores modernistas, por sua preocupação exagerada com a forma em detrimento dos aspectos relacionados ao conteúdo.
Falar em Parnasianismo é, muitas vezes, falar de uma poesia artificial, de uma poesia preocupada não com o conteúdo, mas com uma linguagem rebuscada, com formas fixas e rimas. Portanto, Parnasianismo, neste sentido, pode ser considerado sinônimo de artificialismo, sinônimo de forma.

Críticas feitas por modernistas ao movimento Parnasiano

“O Parnasiano foi outra vítima da inteligência que construiu a prisão onde quis encarcerar o poeta. Foi na prisão sem ar que morreu o Parnasianismo. Não há prisioneiro encarcerado, convicto, arrastando correntes, que não queira romper as cadeias, fugir, bradando um grito de liberdade.... Esse grito foi o verso livre.”
(Rubens Borba de Morais, modernista)

“De fato, ele estava escrevendo ou mais particularmente, traduzia para o ‘clássico’ um grande artigo sobre ‘Ferimentos por arma de fogo’. O seu último truc intelectual era este do clássico. Buscava nisto uma distinção, uma separação intelectual desses meninos por aí que escrevem contos e romances nos jornais. Ele, um sábio, e sobretudo um doutor, não podia escrever da mesma forma que eles. A sua sabedoria superior e o seu estilo ‘acadêmico’ não podiam usar da mesma língua, dos mesmos modismos, da mesma sintaxe que esses poetastros e literatecos. Veio-lhe então a idéia do clássico. O processo era simples: escrevia de modo comum, com as palavras e o jeito de hoje, em seguida invertia as orações, picava o peíodo com vírgulas e substituía incomodar por molestar, ao redor por derredor, isto por esto, quão grande por quamanho, sarapintava tudo de ao invés, em pós, e assim obtinha o seu estilo clássico que começava a causar admiração aos seus pares e ao público em geral.”
(Fragmento de Triste fim de Policarpo Quaresma, no qual Lima Barreto ironiza o “estilo clássico” dos poetas parnasianos.)

REFERÊNCIAS
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 32. ed. São Paulo: Cultrix,
1995.
COUTINHO, Afrânio. (Org.) A Literatura no Brasil. 2. ed. 6 vols. Rio de janeiro: Sul
Americana, 1968-71.
ROMERO, Sílvio. História da Literatura Brasileira. 7. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio; Brasília:INL, 1980.